É Contra Nós: Um Manifesto sobre a SUG 1/2024

Manifesto sobre a SUG 1/2024

É urgente gritar sobre a SUG 1/2024.

Enquanto tentam nos convencer de que privatizar o termo “psicoterapia” não nos afeta, psicanalistas, terapeutas integrativos, analistas do povo, silenciosamente, os espaços vão se fechando. E não é só um termo: é o nome daquilo que fazemos, daquilo que atravessa e sustenta nossas práticas. É o nosso pão, nossa escuta, nossa linguagem. É o nome que o paciente periférico reconhece.

Muitos portais, plataformas, clínicas populares classificam nosso trabalho como “psicoterapia”. E o fazem com clareza: distinguem quem é psicólogo, quem é psicanalista, quem é terapeuta. Isso nunca foi um problema. O que eles querem, agora, é que seja. Querem desautorizar o que sempre foi legítimo.

Atendo há anos por uma dessas plataformas. Já recebi pessoas incríveis, com histórias que mudaram a minha clínica e me fizeram permanecer. Gente que encontrou acolhimento onde o Estado, a família ou a igreja falharam. Privatizar o termo psicoterapia é empurrar essa gente pra fora de novo.

É também empurrar a psicanálise de volta pra onde ela nunca deveria ter voltado: para as mãos de poucos, para os salões envernizados de uma elite que se orgulha de jargões e citações em francês, mas se recusa a ouvir a Dona Maria que faz análise pelo celular quebrado no metrô, depois de limpar a casa dos outros o dia todo.

A SUG 1/2024 não é só uma proposta legislativa. É um projeto de exclusão disfarçado de regulamentação. Um genocídio simbólico travestido de zelo técnico.

Hoje querem privatizar o termo “psicoterapia”. Amanhã será “consultório”. Depois, “setting”. Mais tarde, “análise”. Por fim, o próprio “psi”. E nós seremos o quê?

Institutos silenciosos não me surpreendem. Sempre estiveram mais preocupados com currículos do que com cuidado. Com sofisticação, não com escuta. Com Lacan, mas nunca com João, que não entende nada de Lacan, mas chorou quando ouviu, pela primeira vez, que a dor dele tinha lugar.

Nós atendemos o povo. Atravessamos fronteiras que eles jamais ousariam. Recebemos o homem preto depois da “dura” da PM, mesmo quando o porteiro nos pergunta se ele é o entregador do iFood. Fazemos análise com quem tem só um fone funcionando. E fazemos bem.

Por isso precisamos denunciar. Não por nós, mas por quem ainda precisa de nós.

Privatizar um termo popular da escuta é matar a potência transformadora da clínica.

E sim, é contra NÓS!

E Winnicott nos ensinou que a saúde psíquica nasce da possibilidade de existir espontaneamente.

Gisela Oliveira
Psicanalista

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