O silêncio da mulher depois dos 30: separada, desejante, mas julgada
Há um tipo de solidão que não nasce da ausência de companhia, mas do excesso de olhares que julgam. A mulher que se separa depois dos 30 anos sente isso na pele: ela entra num território ambíguo onde não é mais “jovem promissora”, nem “esposa estável”, e passa a ocupar um espaço que a sociedade não sabe bem como nomear, e por isso, tenta controlar.
Essa mulher passa a ser vista como alguém “com bagagem demais”, como se as vivências que a tornaram mais inteira fossem, agora, um fardo. Ela é lida como “exigente”, “difícil”, “sozinha porque quer demais”. O que não dizem é que esse julgamento é puro machismo disfarçado de análise racional.
Afinal, o que incomoda tanto numa mulher que viveu, caiu, se levantou e ainda assim quer amar?
Na clínica, não é raro escutar mulheres que, após se separarem, sentem como se estivessem num limbo afetivo. Os convites diminuem, as amigas casadas olham com certo cuidado (ou com pena disfarçada), os homens se aproximam não como quem vê um par, mas como quem vê uma oportunidade. De sexo fácil, de aventura, de fetiche.
Esse corpo feminino, agora maduro e cheio de história, começa a ser lido como perigoso. A maturidade dela ameaça o narcisismo de muitos homens que ainda buscam mulheres que os coloquem no centro. A mulher que já chorou, pariu, trabalhou, rompeu, amou e se refez não cabe no ideal romântico patriarcal. Ela tem voz, ela sabe onde dói, ela diz o que quer. E isso assusta.
E se essa mulher é negra, há outro atravessamento: o racismo. A mulher preta madura é vista como “forte demais” para ser cuidada, “independente demais” para ser desejada, “quente demais” para ser levada a sério. Ela entra rapidamente no campo do fetiche. Não é raro que homens se aproximem carregando estereótipos como “preta tem pegada”, “nunca fiquei com uma negra”, como se o corpo dela fosse um safari exótico. Desejam o corpo, mas não sustentam o afeto.
Se essa mulher é lésbica, bissexual ou trans, a solidão se aprofunda. Não só por causa da escassez de espaços seguros para o amor LGBTQIA+, mas porque até dentro da própria comunidade há silenciamentos. Mulheres queer mais velhas ainda enfrentam o mito da “fase” ou da “confusão”, como se sua sexualidade precisasse se explicar. Quando são separadas de homens, isso piora: são vistas como “desiludidas”, “traumatizadas” e não como pessoas que apenas se reencontraram com sua verdade.
O etarismo também bate à porta. A mulher que chega aos 35, 40, 50, e diz que quer um novo amor, ainda é recebida com um riso torto ou um conselho: “melhor ficar sozinha, nessa idade os homens querem coisa mais nova”. E por que será? Porque fomos ensinados que o valor da mulher está na juventude, na pele firme, na docilidade. A mulher madura, com seus “não” e sua intensidade, é lida como incômoda.
A psicanálise, se for ética, não pode fechar os olhos a isso. A mulher separada depois dos 30 não é um caso clínico, ela é um sintoma de uma cultura que ainda não suporta o desejo feminino livre. O desejo que não se submete, que não implora, que não aceita migalhas. O desejo que diz “eu quero”, mas também sabe dizer “eu não aceito menos do que mereço”.
Lacan nos lembra que o desejo é sempre desejo do Outro. Mas e quando esse Outro está colonizado por ideais patriarcais, racistas, cisheteronormativos? Como sustentar o desejo sem se violentar? Como amar sem ter que se desmentir?
A mulher separada, madura, negra, LGBTQIA+, que insiste no amor, está fazendo um gesto revolucionário. Ela está dizendo: “meu corpo é digno de desejo, minha história é digna de afeto, meu tempo não acabou.”
Se você é essa mulher: não se retraia, não se ache “difícil demais”. Você está só fora de uma lógica que nunca te favoreceu. E isso é potência.
Se você convive com uma mulher assim, escute antes de opinar. Ela não quer conselhos, quer respeito.
Se você é homem: pergunte-se se está preparado para se relacionar com alguém que não vai te aplaudir por migalhas. A maturidade cobra responsabilidade afetiva.
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Você não está só!